Memórias 2

Eu cometi uma injustiça, falando ontem de ciclistas precursoras, no Aterro, nos anos 80/90.
E, como estou aqui esperando o solão baixar para sair na rua, vou aproveitar para escrever um bocadinho, contando outro "causo" e me redimindo.

Sei que poucos vão ler, todo mundo ocupado com a política hoje, mas eu sou de lua, nunca dei muita pelota mesmo para o que pensam os outros, e lá vai.

Estava eu, há anos atrás, visitando o Museu Nacional de Bellas Artes, quando encontrei com a recém-empossada diretora, que também havia sido diretora do MAM-RJ, quando eu lá trabalhava. 
Nesta tarde, ela portava ao pescoço um crucifixo de marcassita tão deslumbrante que eu talvez fosse capaz de me converter, só para usá-lo. 
Chiquérrima e, como sempre, muito gentil:

"Denise, eu soube que sua mãe faleceu. Sinto muito! Se você precisar de alguma coisa, basta marcar uma entrevista que eu vou ter o maior prazer em tê-la aqui, conosco. Você está trabalhando?"
"Sim, D. Heloisa, eu sou professora atualmente, na UFRJ. Graças, inclusive à elasticidade do horário do MAM, que me permitiu trabalhar e estudar, ao mesmo tempo"
"Mas, e o resto, Denise? Como você está fazendo?"

A minha resposta foi honesta e teria desarmado qualquer um:

"Estou andando de bicicleta, no Aterro do Flamengo. Comprei uma bicicleta cor-de-rosa; vi uma oferta num encarte de jornal das Lojas Americanas e resolvi voltar a andar, coisa que não fazia desde a infância".

Ela nem piscou, diante da resposta. Disso eu já sabia e confirmei: o que desarmava um terapeuta, para sempre, nem abalava D.Heloísa.

"Ah... Mas então você deve estar encontrando uma grande amiga minha: a Carmem Mayrink Veiga. Ela também pedala no Aterro".

E completou: "isso é muito bom!"

Com efeito: na manhã seguinte reparei, com mais atenção, numa senhora que já havia visto antes, vestindo roupa preta e surrada, esguia, numa bicicleta gigante- pois as compridas pernas assim o permitiam- dessas bicicletas ancestrais que pareciam americanas, sem marcha, também preta e meio descascada. Tudo, no conjunto, elegantérrimo, tentando inutilmente ser discreto. 
Era ela, sim. Bonita pra chuchu, morava na Rui Barbosa, salvo engano. Percorria o Aterro todo, até o MAM e voltava.

Não tinha ladrão no Aterro, nesta época, nem pivete; como eu falei no outro post, pouquíssimos usuários, como nós, portando a chave de casa, se isso.
Alguns artistas plásticos, amigos, gente do bairro, crianças jogando bola, moleques empinando pipa. E só.
Iam roubar o quê? Nem existia celular, ninguém fotografava...

Então é isso.
Os tempos mudam.

E fica assim, por hoje.
É...
Tem razão. Preciso restaurar a minha bike.

(E escrever minhas memórias 😂)



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